Fala de Lula sobre Foz do Amazonas irrita cúpula e técnicos no Ibama por interferência política
(FOLHAPRESS) - O aumento de pressão pelo presidente Lula (PT) sobre o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) provocou um clima de insatisfação generalizada entre técnicos do órgão e também na cúpula do Ministério do Meio Ambiente.
A avaliação de servidores do instituto e de integrantes da pasta ouvidos pela Folha é de que o processo para licenciar os estudos de exploração de petróleo na Bacia Foz do Amazonas passou a ser alvo de extrema interferência política, em vez de seguir um rito formal.
Nesta quarta-feira (12), Lula fez críticas abertas ao órgão ambiental, acusando-o de dificultar o licenciamento que busca estudar a viabilidade técnica e econômica da exploração, antes de iniciar a produção de petróleo.
"Se depois a gente vai explorar, é outra discussão. O que não dá é para a gente ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo", disse Lula em entrevista à rádio Diário FM, de Macapá.
A reação foi dura dentro do órgão ambiental, que é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Um integrante do alto escalão do governo afirmou, sob reserva, que a situação cria uma animosidade grande. Em suas palavras, o presidente e seus auxiliares estão "forçando a barra para acelerar a licença, atropelando a análise técnica".
A pressão de Lula sobre o licenciamento testa os limites de blindagem da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Desde o início do governo petista, o Ibama é comandado por Rodrigo Agostinho, que é amigo de Marina, pessoa de sua confiança e escolha pessoal para gerir o Ibama.
Um eventual afastamento de Agostinho, neste momento, seria visto pela cúpula ambiental como uma péssima escolha política, que só demonstraria o total controle político sobre temas técnicos, a apenas nove meses da COP30, conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas que será realizada em Belém.
A Folha apurou que, com as atualizações de estudos já entregues pela Petrobras ao Ibama, a sinalização é de que a autorização para pesquisas no chamado bloco 59 será dada pelo órgão, no curto prazo. Lula, porém, tem pressionado para que isso ocorra o quanto antes, para evitar que o tema ganhe espaço ao se aproximar da COP30.
Na pressão sobre o Ibama, o nome do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, já chegou a ser ventilado como possível candidato para substituir Rodrigo Agostinho. Ocorre que Macêdo é visto como uma escolha meramente política, do núcleo duro do PT e sem relação com Marina Silva.
Um integrante do ministério diz que mexer no comando do Ibama "seria uma catástrofe", que levaria outros funcionários a deixarem o órgão.
Em outubro do ano passado, 26 técnicos responsáveis por analisar os estudos apresentados pela Petrobras rejeitaram o material entregue pela petroleira e recomendaram, além indeferimento da licença ambiental, o arquivamento do processo. Rodrigo Agostinho, no entanto, abriu espaço para que a Petrobras fizesse o complemento dos estudos. Agora, a empresa aguarda um novo parecer.
Após a publicação desta reportagem, a Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente) emitiu nota oficial, na qual afirma ser "inadmissível qualquer tipo de pressão política que busque interferir no trabalho técnico do órgão, especialmente quando se trata de uma decisão que pode resultar em impactos ambientais irreversíveis".
"As declarações que desqualificam o Ibama e seus servidores desrespeitam o papel fundamental da instituição na defesa do interesse público, que é seu objetivo final, independente do governo da vez", afirmou a associação. "A Ascema Nacional reforça seu compromisso com a proteção ambiental e a defesa de um serviço público independente, que atue com base na ciência e na legalidade, sem subordinação a interesses político-econômicos.
Segundo a Ascema, os interesses por parte do governo em acelerar a análise passam pelo limite do que o Ibama pode fazer diante do sucateamento da gestão socioambiental.
"A análise técnica de grandes projetos submetidos ao licenciamento ambiental federal, especialmente aqueles a serem desenvolvidos em áreas socioambientalmente sensíveis, com número reduzido de estudos científicos e onde não há experiências prévias da atividade em questão, demandam imensa dedicação das servidoras e servidores e, inevitavelmente, consomem tempo", afirmou a associação.
A Ascema afirma ainda que "é contraditório que um país que sediará a COP-30, um evento de relevância global para o enfrentamento das mudanças climáticas, adote posturas que fragilizam a governança ambiental e colocam em risco compromissos assumidos internacionalmente".
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